sexta-feira, 19 de julho de 2013

O desgovernador Sergio Cabral


Fernando Orotavo Neto 
As vezes me pego pensando – mau hábito que tenho – se o sistema de freios e contrapesos (checks and balances), pilar do princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição, adotado por inspiração dos gregos, que conceberam o seu primeiro modelo, e, depois, pela genialidade de Montesquieu, que o aprimorou, vem sendo utilizado de modo eficaz pelos poderes constituídos, principalmente para refrear práticas evidentes de mau uso do patrimônio público ou, como prefiro chamar, de desgovernança patológica.
Este princípio – explico para quem é leigo, em apertada síntese – visa a tripartir as funções dos poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário,) propiciando a fiscalização permanente, por todos, dos atos praticados por qualquer um deles individualmente, de modo a evitar que um deles se sobreponha aos demais, tomando, abruptamente, para si, o controle absoluto dos rumos do governo. Perdoe-me Alexandre Dumas – que escreveu os Três Mosqueteiros, os quais, na verdade, eram quatro (o que torna mais assemelhado, ainda, o exemplo escolhido, já que a imprensa é considerada por muitos o quarto poder constituído) – pela variação que trago da sua célebre frase; mas, para entender melhor o princípio, é como se pudéssemos bradar, tal qual seus personagens, conquanto diferentemente deles: Um por todos, e todos fiscalizando um!
É esta teoria que, em última análise, permite que a Assembléia Legislativa possa aprovar o impeachment do Governador (como aconteceu no Caso do Presidente Fernando Collor de Mello, em virtude da atuação das duas Casas legislativas do Congresso Nacional), ou que o judiciário possa exercer o controle da legalidade dos atos do executivo e do legislativo (como aconteceu no famoso caso Marbury versus Madison, julgado em 1803, pela Suprema Corte do Estados Unidos da América do Norte, que fez escola no nosso STF), decidindo, inclusive, acerca de ações de improbidade administrativas dirigidas contra seus agentes.
PRAÇA DE GUERRA
No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, que se tornou uma praça de guerra, devido às manifestações e protestos do povo, contrariado que está com as mais variadas denúncias de corrupção que circulam nas redes sociais, nos jornais, nos blogs, na televisão, e nos demais veículos de comunicação, acerca do suposto enriquecimento ilícito do Governador do Estado – seja pelas supostas parcerias benevolentes, firmadas com determinados agentes privados, seja pelo suposto deszelo no trato da coisa pública, seja, finalmente, pelos supostos favorecimentos auferidos pela primeira dama; intriga, espanta e admira que os demais poderes constituídos da República nada façam, ou tenham feito, até agora, para refrear os desmandos administrativos e políticos que assombram tantos quantos deles têm notícia.
Que o Judiciário ainda não se tenha pronunciado a respeito é justificável, até porque, por princípio, o judiciário não pode se pronunciar de ofício, senão quando provocado (judex ne procedat ex officio - art. 2º do CPC). Porém, o que não se concebe é que, diante de tão ostensivos indícios de favorecimento, enriquecimento ilícito e corrupção, o legislativo estadual se omita em votar o impeachment do Governador do Estado do Rio de Janeiro (ocasião em que poderá investigar e apurar a veracidade ou falsidade das denúncias midiáticas), bem como a Procuradoria Geral do Estado poste-se inerte, demitindo-se do seu dever de instaurar o inquérito civil que precede à propositura da ação de improbidade administrativa, para fins outros e correlatos, tal como o de obter o ressarcimento civil dos prejuízos causados ao erário, na hipótese de serem comprovadas, na ambiência do inquérito, as denúncias de malversação do patrimônio público levadas ao conhecimento do povo, todos os dias, às escâncaras.
Que não haja prova da culpa até se pode admitir, mas que há indícios suficientes a justificar a pronta atuação dos poderes legislativo e judiciário, visando o controle dos atos do executivo estadual, isto há; o que já seria suficiente para legitimar a promoção das medidas antes elencadas e indicadas.  Ou não se pode chamar de indício as nababescas viagens a Paris com fornecedores e prestadores de serviço privados do Estado, todos portando guardanapos na cabeça em frente ao Ritz?
Ou não se pode chamar de indício as licitações ganhas sempre por uma mesma construtora, cujo dono viagem a Paris com o Governador? Ou não se pode chamar de indício a utilização de helicópteros de propriedade do Estado para fins particulares? Ou não se pode chamar de indício duas propriedades suntuosas em Angra dos Reis, paraíso dos milionários? Ou não se pode chamar de indício a existência de cavalos milionários na hípica? Ou não se pode chamar de indício o noticiado desvio de verbas da saúde pública, dentre tantas outras que não caberiam aqui citar, pois, pelo tamanho, que vai longe, sequer conseguiriam espaço nas finadas listas amarelas? Mais que indícios, tais práticas constituem violenta bofetada na cara do povo do Rio de Janeiro; do qual não se pode exigir limpamente, isentamente, honestamente, que a tudo assista de forma passiva e acovardada.
SINAIS DE RIQUEZA
O povo tem o direito de saber como um jornalista que morava em Cavalcanti, subúrbio do Rio, e sempre auferiu vencimentos decorrentes do exercício de cargos públicos, pode ostentar tantos sinais aparentes de riqueza. Portanto, Sr. Governador, o quebra-pau que acontece, insistentemente, na Zona Sul do Rio de Janeiro, não se deve a incitação de outros partidos políticos tentando desestabilizar o seu Governo. Porque, disto, já cuidou o senhor. Daí a razão do seu esperneio, a olhos vistos, não passar de uma desculpa esfarrapada, que de balela não passa.
A mobilização que Vossa Excelência assiste na rua, atônito, todos os dias, na porta da sua casa, tem origem na indignação. No verdadeiro e justo sentimento de indignação de um povo que cansou de ver o senhor jantar no Antiquarius, em Paris, andar de helicóptero com seu cachorrinho (ou cachorrinha, sei lá) deslocando-se à Angra dos Reis, para descansar em sua mansão no fim de semana, enquanto milhares de pessoas morrem nos hospitais, sem remédios e atendimento, enquanto os bombeiros e professores percebem remuneração de fome, enquanto o cidadão comum não pode andar nas ruas sem ser assaltado. Quem pode lhe explicar o que está acontecendo Governador é, talvez, a frase do sublime poeta Murilo Mendes: “O cúmulo da miséria moral é explorar a miséria alheia”.
Até porque Governador, pelo menos para o senhor, eu não preciso responder à pergunta feita no início deste artigo, já que o senhor sabe, melhor do que ninguém, que o sistema de freios e contrapesos não está sendo utilizado de forma eficaz no Rio de Janeiro. Trocando em miúdos, o senhor bem sabe que, diante de todos os indícios apontados diuturnamente nos jornais, o senhor não está respondendo a processo de impeachment, perante o legislativo estadual, ou respondendo a ações de improbidade administrativa, perante o Judiciário, pelo simples fato de que a sua bancada possui maioria na Assembléia Legislativa, e de que foi o senhor mesmo quem nomeou o Procurador Geral do Estado, agente do Estado que detém competência funcional para processá-lo – embora devesse, pois ele é procurador do Estado, vale dizer, do povo do Rio de janeiro, e não do Governo, ou seja, do senhor, que, ao menos aparentemente, tem dinheiro suficiente para contratar os melhores advogados do País, enquanto 90% da população que almeja justiça, ao contrário, tem que pegar senha e esperar sua vez para ser atendido na defensoria pública. Por isso, e não por melhor razão, o senhor está blindado, Governador.
Na minha opinião, chegou a hora de protestar pela abertura do processo de impeachment, na porta da Assembléia, e pela abertura dos inquéritos tendentes à ensejar a propositura de ações de improbidade administrativa, na porta da Procuradoria Geral do Estado, sob pena de o movimento de indignação vir a se enfraquecer pela ausência de realização de medidas práticas e proficientes.
Cabral é um nome cármico da nossa história: um descobriu o Brasil; já o outro, enxovalha o Rio de Janeiro.
Aqui me despeço, Desgovernador, e espero que o povo do Rio de Janeiro responda aos seus devaneios e invectivas nas urnas, em 2014.
Fernando Orotavo Neto é Advogado, Jurista e Professor Universitário.

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