domingo, 10 de março de 2013

Em memória de Eliza



RUTH DE AQUINO

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RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
É um tapa na cara das mulheres a punição de mentirinha imposta ao goleiro Bruno. Antes capitão adorado do Flamengo, hoje Bruno é mais um ídolo dos assassinos covardes e cínicos. A condenação esperada para o homicídio, sequestro e cárcere privado de Eliza Samudio era de 28 a 30 anos de prisão. A sentença final, de 22 anos e três meses, seria condizente com o crime hediondo se fosse toda cumprida. Mas a lei brasileira – ah, a lei... – pode deixar Bruno livre, leve e solto para churrascos e peladas daqui a menos de três anos. Quem sabe um contrato com um clube?

A confissão tardia reduziu a pena. O trabalho e o bom comportamento na cela livrarão Bruno do cárcere com pouco mais de 30 anos de idade. Ele, que deu festão no dia seguinte ao homicídio, posou de triste e acabrunhado para o país no julgamento desta semana. Durante anos, repetiu que não havia crime: “Torço para que ela possa aparecer viva”. Agora, orientado pela defesa, confirmou que sabia de tudo: “Eu sabia e imaginava”. Bruno “imaginava” que a ex-amante e mãe de seu filho Bruninho seria sequestrada, enforcada, esquartejada e jogada aos cães?

A sentença foi proferida na madrugada do Dia Internacional da Mulher. Não sou fã de datas especiais para “minorias” – ainda mais porque somos maioria. Mas admito que o 8 de março seja um bom pretexto para examinar estatísticas globais de emprego, salário, jornada dupla e violência contra a mulher, como agressões, espancamentos, estupros e assassinatos.

Segundo a ONU, sete em cada dez mulheres no mundo sofrerão algum tipo de violência física ou sexual ao longo da vida. É um número espantoso, amedrontador. Eliza, ao engravidar de Bruno e exigir reconhecimento e pensão, candidatou-se a engrossar as estatísticas da ONU. O Brasil é, no ranking mundial, o sétimo país em assassinatos de mulheres. E ainda há quem ache que garota de programa merece castigos assim: “Ela estava pedindo”.

Bruno, hoje com 28 anos, tem uma conexão estranha com o Dia Internacional da Mulher. Na véspera do 8 de março de 2010, o então supergoleiro do Flamengo, ídolo do time com 33 milhões de torcedores, cotado para a Seleção, defendeu desastradamente seu colega Adriano, que batera na namorada: “Qual de vocês nunca saiu na mão com a mulher? Não tem jeito: em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Depois, pressionado pela família e pelo clube, voltou atrás: “Peço desculpas a todos pelo que foi dito. Tenho filhas e as amo muito. Todas as mulheres merecem carinho”.O “carinho” que o goleiro de 1,91 metro dispensou a Eliza teve vários capítulos. Primeiro, ele tentou obrigá-la a abortar. Ameaçou-a. Eliza, grávida de cinco meses, foi à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher no Rio, denunciou Bruno, pediu proteção e foi gravada pelo jornal carioca Extra. “Ele me deu dois bofetões... Enfiou uma arma na minha cabeça... E me disse: ‘Sou frio e calculista. Vou deixar a poeira baixar e vou atrás de você. Se eu te matar e te jogar em qualquer lugar, as pessoas nunca vão descobrir que fui eu’.”
Quase um ano depois, Eliza foi levada para o sítio de Bruno, ficou em cativeiro e foi morta com requintes de crueldade – o bebê escapou do mesmo fim por sorte ou compaixão. Bruno foi para o campo do clube treinar e deu entrevista, riu. Disse que Eliza sumira “para resolver questões pessoais”. Ainda se mostrou religioso: “Deixei nas mãos de Deus, Deus sabe o que faz”.

Bruno tinha certeza da impunidade. Estava errado. Não contava que seria traído por primos e pelo amigo e cúmplice Macarrão. O comentário nas ruas era: “Como um cara pode ser tão burro como o Bruno e jogar a vida no lixo?”. Burro é pouco, muito pouco, para defini-lo. A juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues considera Bruno “frio, violento e dissimulado”. Para ela, o crime foi “uma trama diabólica meticulosamente calculada”. O maior exemplo disso foi o sumiço do corpo: “A supressão do corpo humano é a verdadeira violência (...), um ato de desprezo e vilipêndio”.

A mãe de Eliza, dona Sônia, que hoje cuida do neto Bruninho, teme por sua vida e pela do garoto, quando Bruno sair da prisão. Insiste em perguntar algo que ninguém respondeu: “Onde está o que restou do corpo da minha filha? Meu neto vai crescer e também vai querer saber”. Ela não acredita que os pedaços do corpo de Eliza tenham sido consumidos por cães sem deixar vestígios. Ela quer ver e enterrar o que sobrou da filha. Dona Sônia e Bruninho têm o direito de saber.

A sociedade tem o direito de não gostar de que Bruno seja solto após sete anos de prisão, como aconteceu com o ator Guilherme de Pádua. Ele matou a golpes de tesoura a atriz Daniella Perez, filha de Gloria Perez, em 1992. Consolou a família no enterro, mas saiu livre em 1999. Tudo de acordo com a nossa branda lei para crimes tão perversos. 

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