sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Juristas organizam movimento para derrubar reforma do Código Penal


Ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior afirma que a proposta "não tem conserto"


SÃO PAULO - Setores da comunidade jurídica organizam um movimento para derrubar o projeto de reforma do Código Penal que tramita no Senado. Um dos articuladores do grupo, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior afirma que a proposta "não tem conserto" e, com um manifesto de mais de três mil assinaturas, pede seu "sobrestamento". Um dos organizadores do manifesto é o advogado René Dotti, que deixou a comissão de juristas que assessorava o Senado por discordar do andamento da reforma.

— São aberrações jurídicas. O conjunto está comprometido. Não se pode fazer emenda para resolver. O projeto foi feito no afogadilho e o professor Dotti se afastou diante desse açodamento — disse Reale na quinta-feira, em entrevista por telefone ao GLOBO.
Ao documento lançado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), pelo Instituto Manoel Pedro Pimentel, da USP, e pelo Insituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC), somam-se nomes como o do subprocurador-geral da República Juarez Tavares e do jurista Geraldo Prado. As críticas se referem ao conteúdo geral do projeto e à falta de interseção com a comunidade jurídica e com a própria sociedade. Os juristas consideraram muito curto o prazo de sete meses de desenvolvimento do projeto e afirmaram que foram poucas as audiências públicas organizadas para a elaboração da reforma.
São muitos os pontos criticados no texto final apresentado pelo Senado:
— Eliminou-se o livramento condicional, retirando um instrumento consagrado, utilizado há mais de um século no mundo. A proposta vai aumentar o encarceramento no país. Mas, ao mesmo tempo em que prevê o endurecimento de leis, também provoca a sua fragilização. Institui a barganha (em que acusado e defesa concordam), acabando com o processo penal e aplicando a pena mínima para qualquer crime. Com isso, na barganha, fica proibido que o réu vá para o sistema fechado (prisão)— exemplifica Reale.
Outro problema apontado pelo jurista diz respeito a movimentos sociais, como o MST:
— Os movimentos sociais foram excluídos de serem enquadrados em crimes de terrorismo.
O manifesto da comunidade jurídica aponta ainda para outra incongruência. A pena para a omissão de socorro a um humano é 12 vezes menor que a omissão de socorro a um animal. "Em síntese: para uma criança abandonada ou uma pessoa ferida (abandonada) a pena mínima é de um mês ou multa e em relação a qualquer animal é de um ano, ou seja, 12 vezes superior", diz o texto, que chama o projeto do novo código de "Projeto Sarney", em referência ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP):
— Tudo foi apressado. Sarney quer se imortalizar como autor do projeto— critica Reale, que apontou ainda outros problemas: — A cada passo temos uma surpresa. Agora, todo homicídio ficou qualificado e a eutanásia poderá ser praticada, com perdão judicial, por qualquer parente de paciente em estado grave, sem a exigência de um atestado médico.
Professora de Direito do Largo São Francisco, da USP, Janaina Conceição Paschoal também rejeita o projeto.
— Não consigo ver no projeto nenhum benefício para a sociedade e para a segurança pública. Os artigos 137 e 140 aumentam a pena para difamação. Com isso, um jornalista pode pegar até quatro anos de pena. Nem na ditadura as penas para os jornalistas eram desse porte. No que o Brasil melhora assustando seus jornalistas?— pergunta ela.
O GLOBO tentou falar com o vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, coordenador do grupo que assessorou o Senado, mas ele esteve em reuniões durante todo o dia e não atendeu a reportagem. Também tentou falar com o relator da comissão, o procurador da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, mas não conseguiu localizá-lo.

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