domingo, 12 de agosto de 2012

Filme reconstitui bastidores da relação entre Freud e Jung


manuel da costa pinto

 

12/08/2012 - 02h30


"Um Método Perigoso" aborda de modo fiel a relação entre Freud e Jung, nos primórdios da psicanálise. Mas o que deveria ser uma virtude pode também decepcionar os admiradores de David Cronenberg. Em filmes como "Scanners - Sua Mente Pode Destruir" (1981) e "Crash - Estranhos Prazeres" (1996), o diretor canadense criou uma estética de horror científico, em que fobias e fetiches ultrapassam o campo subjetivo, materializando-se por meio da interação com a tecnologia.
No primeiro, surge uma geração de cérebros com monstruosas capacidades telepáticas; no segundo, tudo gira em torno da erotização de corpos mutilados em acidentes de carro. São mundos desviantes, com fantasmas psíquicos e fantasias sexuais que exigem um olhar psicanalítico.
Divulgação
Michael Fassbender (à esq.) na pele de Jung e Viggo Mortensen, que vive Freud
Michael Fassbender (à esq.) na pele de Jung e Viggo Mortensen, que vive Freud
Ao tratar de um momento seminal da psicanálise, porém, Cronenberg adota tom mais contido, numa narrativa que parece convencional --não fosse a personagem que insere um elemento perturbador na relação entre Jung e Freud: Sabina Spielrein.
Inicialmente, Sabina é a paciente histérica que Jung trata pela associação livre --método que, inspirado nas ideias freudianas sobre a relação entre corpo e psique, seria incorporado à clínica psicanalítica. Quando Sabina se torna amante de Jung e passa a ser seguidora de Freud, porém, Cronenberg ata o episódio histórico às dobras internas do movimento psicanalítico.
Freud via no discípulo, suíço e protestante, a possibilidade de desvincular a psicanálise dos círculos judaicos de Viena num momento de antissemitismo crescente. Jung, no entanto, rejeita o papel central que o mestre atribui à sexualidade, enveredando por investigações de mitos e fenômenos paranormais que comprometiam o projeto científico de Freud.
As cenas sadomasoquistas entre a judia russa, vivida por Keira Knightley, e Jung (Michael Fassbender) confundem as cartas. A sexualidade triunfa, mas o "affair" tem algo de parricídio ritual, de transgressão das leis impostas por Freud (Viggo Mortensen) com rigor bíblico. Mais próximo de Sade (autor libertino da "Filosofia na Alcova"), Cronenberg chafurdou os lençóis da psicanálise.
FILME
UM MÉTODO PERIGOSO ***
DIRETOR: David Cronenberg
DISTRIBUIDORA: Imagem Filmes (DVD e Blu-ray, locação)
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CONEXÕES
LIVROS
SABINA SPIELREIN - DE JUNG A FREUD ***
Reconstitui a trajetória da amante de Jung e discípula de Freud, assassinada pelos nazistas em 1942.
AUTORA: Sabine Richebächer
TRADUÇÃO: Daniel Martinischen
EDITORA: Civilização Brasileira (2012, 434 págs., R$ 54,90)
JUNG - UMA BIOGRAFIA ****
O primeiro volume da biografia do criador da "psicologia analítica" dá o devido destaque a Sabina Spielrein.
AUTORA: Deirdre Bair
TRADUÇÃO: Helena Londres
EDITORA: Globo (2006, vol. 1, 624 págs., R$ 52,50; vol. 2, 504 págs., R$ 48)
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LIVROS
POEMAS ****
Adonis; tradução de Michel Sleiman (Companhia das Letras, 256 págs., R$ 42)
Traduzida do árabe, essa antologia cobre cerca de 50 anos da obra do poeta sírio Adonis (pseudônimo de Ali Ahmad Said Esber, nascido em 1930). Associando referências da tradição islâmica a versos livres (como no fluxo narrativo de "Tumba para Nova York", em que se percebe diálogo com Walt Whitman e Lorca), sua poética incorpora temas como a viagem e o exílio.
JOÃO GILBERTO ****
Org. de Walter Garcia (Cosac Naify, 512 págs., R$ 215)
O músico e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros da USP resgatou entrevistas com João Gilberto, além de perfis e ensaios sobre o compositor e cantor baiano. Além do valor histórico da antologia, chama a atenção o fato de o criador da bossa nova ter sido analisado por ensaístas vindos da crítica de arte, da literatura, da filosofia, do cinema e da arquitetura.
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DISCO
DEBUSSY, RAVEL, POULENC ****
Flavio Varani (Master Class, R$ 30, CD duplo)
A edição comemora os 60 anos de carreira do pianista brasileiro, radicado nos EUA. No primeiro disco, ele interpreta "Doze Estudos", de Debussy, e a suíte "Miroirs", de Ravel. No segundo, ao lado da pianista Maria Thereza Russo, os duos de Poulenc e de Debussy traduzem sua identificação com o repertório francês do início do século 20.
Manuel da Costa Pinto
Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Colunista da versão impressa da revista "sãopaulo" e editor do Guia Folha - Livros, Discos, Filmes, é também editor do programa "Entrelinhas", da TV Cultura. Escreve aos domingos.

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