sábado, 23 de junho de 2012

O melhor lugar para discutir a salvação da Terra é o mundo da Lua


Guilherme Fiúza, O Globo
A Rio+20 foi um sucesso. E não poderia ser diferente. Tudo foi muito bem montado para que não houvesse chances de falha. A estratégia é perfeita: anuncia-se uma megaconferência para salvar o mundo; convida-se mais de uma centena de chefes de Estado para assinar a salvação à beira-mar; produz-se um documento que naturalmente não salva nada nem ninguém; cada governante que chega tem a chance de dizer ao seu eleitorado que esperava mais; até Ahmadinejad, o tarado atômico, declara-se “frustrado”; todos ficam bem na foto “histórica”, com seus crachás de gladiadores da sustentabilidade; e o mundo continua piorando com a consciência limpa.
Os ecologistas reunidos no Rio de Janeiro estão certos: para o mundo não acabar, é preciso economizar tudo.
Menos o bufê das festas ecológicas, que ninguém é de ferro.
A milionária produção da Rio+20 é o melhor exemplo de sustentabilidade: se essa era a última chance de salvar a Terra, como avisaram os organizadores, por que poupar para o próximo banquete?
Não há no mundo contemporâneo negócio tão sustentável quanto a propaganda do Apocalipse. É o único em que o cliente paga para que a entrega não seja feita.
E, por falar no fim do mundo, o empresário Fernando Cavendish está entre os que aprovaram os resultados da Rio+20. Durante a conferência, a convocação do ex-comandante da Delta para depor na CPI do Cachoeira foi barrada. Maior caixa-preta do Brasil hoje, Cavendish contou com a proteção da já famosa “tropa do cheque” para não ter que interromper o sossego de sua aposentadoria nababesca e ir se explicar em Brasília.
E contou, principalmente, com a colaboração da opinião pública nacional, que estava muito ocupada com a salvação do planeta no Rio.
Há muito tempo a República não vivia um momento tão decisivo quanto o da convocação de Cavendish pela CPI. As investigações indicam que o empreiteiro regia, ao lado do bicheiro, uma máfia sem precedentes no assalto ao Estado brasileiro.
A construtora que centralizava o esquema era nada menos que a líder do PAC — e continuou recebendo contratos mesmo depois que o governo federal foi avisado, pela Controladoria Geral da União, dos superfaturamentos em série. Quem esquentava as costas de Cavendish?
A convocação do empreiteiro para depor no Congresso colocaria a bola na marca do pênalti. Pênalti para o Brasil contra a corrupção.
E, quando a CPI foi votar essa convocação, o povo foi às ruas. Foi às ruas contra o gás carbônico, contra a Vale do Rio Doce, contra a ditadura de 64, contra o capitalismo individualista e o que mais o carnaval fora de época da Rio+20 inspirasse.
Fernando Cavendish deve ter assistido emocionado à passeata das mulheres pelo direito constitucional de mostrar os peitos no jornal (em protesto contra a falta de sustentabilidade).
Não se sabe se toda essa bravura cívica mobilizada pela Rio+20 salvará o planeta. Mas salvou Cavendish, o que já é um começo.
A CPI do Cachoeira é um fracasso de público. O ano da Rio-92 foi também o do impeachment, mas não apareceu agora um único cara-pintada para a Collor+20.
O presidente deposto é hoje um soldado do PT na CPI, escalado para bombardear a imprensa e atrapalhar a divulgação das investigações. E os estudantes não estão nem aí.
A UNE, comprada por Lula e Dilma, conquistou seu sustento sustentável. O resto da turma deve estar ocupado com o gás carbônico.
E a OAB, que tanto brilhou na CPI do PC? Por onde anda essa entidade tão vigilante na defesa do estado de direito? Onde está a OAB no momento em que a quadrilha tenta manipular juízes para anular as provas gravadas pela Polícia Federal?
Não se sabe. O que se sabe é que a democracia foi posta em risco por uma máfia que alicia agentes públicos, comprando parlamentares, alugando governadores e dando ordens em ministérios endinheirados.
E que, na hora da verdade, essa máfia está sendo defendida por advogados de ponta, como o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, muito bem pagos com o dinheiro sujo do esquema.
O que a OAB tem a dizer sobre isso? Aparentemente, nada. Em time que está ganhando não se mexe.
Na hora de cercar a máfia Delta-Cachoeira, o Brasil resolveu discutir sustentabilidade. Que desenvolvimento sustentável é possível num país onde o orçamento de infraestrutura foi dominado por uma quadrilha?
Discute-se a criação de mesadas ecológicas (segure sua carteira) para o crescimento limpo, enquanto a gangue do bicheiro pilota a aceleração do crescimento sujo. Apertem os cintos e financiem o bem, para que os governos possam continuar gastando mal.
O sucesso da Rio+20 aparece nas imagens mais sutis, como a do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra (que mandou para Pernambuco 90% das verbas contra enchentes), palestrando no Espaço Humanidade sobre desigualdades.
O melhor lugar para discutir a salvação da Terra é mesmo o mundo da Lua.

Guilherme Fiúza é jornalista

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