FONTE: Elio Gaspari,
O Globo
Caro colega Cezar
Peluso,
Eu nunca fui um frasista. Estive na Corte Suprema dos
Estados Unidos durante 23 anos, até 1936, e muita gente só lembra de mim pela
frase “A luz do sol é o melhor desinfetante”.
Fui um devorador de números, mais preocupado com os
conceitos do que com o espetáculo. Minha contribuição acadêmica foi a invenção
da moderna doutrina da privacidade, o direito do cidadão de ser deixado em paz.
Em 1890, eu condenava a “publicação desautorizada de fotografias de pessoas”.
O mundo mudou, mas a essência da minha proposição
prevaleceu: quem não quer ser celebridade tem o direito de ser deixado em paz.
Eu, o senhor e o ministro Ricardo Lewandowski, bem como os
desembargadores dos Tribunais de Justiça, tornamo-nos celebridades porque
quisemos.
Nesse litígio com a juíza Eliana Calmon, corregedora do CNJ,
o Judiciário foi capturado pelo estilo do noticiário policial. Acusam-na de
querer investigar em torno de 200 mil pessoas. A juíza pediu ao órgão
competente do Estado que examine, principalmente, as movimentações financeiras
anuais superiores a R$ 500 mil nas declarações de renda de magistrados,
servidores do Judiciário e parentes próximos.
Ora, essas 200 mil pessoas são a base, assim como 5,7
milhões de declarações de renda são a base sobre a qual trabalha a Receita
Federal. As omissões de rendimento que caíram na malha fina foram 320 mil. No
caso do CNJ, as movimentações estranhas foram 3.438. Essas, é bom que sejam
investigadas.
Achou-se uma movimentação geral de R$ 173 milhões em
dinheiro vivo. Desse montante, R$ 60 milhões giraram em São Paulo, Brasília e
Rio de Janeiro. Três cidadãos, em tribunais paulistas e baianos, moveram R$
116,5 milhões num só ano.
No TRT do Rio uma só pessoa rodou US$ 157 milhões. Quando
vim para cá, deixei, em dinheiro de hoje, US$ 15 milhões e lembre-se de que
cheguei rico à Corte.
Não há invasão de privacidade no exame de documentos
oficiais quando o Estado investiga uma invasão do patrimônio da coletividade.
O episódio adquiriu uma nova dimensão quando o nosso colega
Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar travando momentaneamente a ação do
CNJ. Diante da informação de que teria recebido cerca de R$ 1 milhão de
subsídios legalmente devidos, do tempo em que era desembargador em São Paulo,
foi defendido pelo senhor, que teve direito a R$ 700 mil.
Esse caso agrupa 17 dos 354 desembargadores do Tribunal de
Justiça de São Paulo, e conheço-o bem, pois conversei com o ex-presidente da
Corte Antonio Carlos Viana Santos, que chegou aqui em janeiro. Posso revelar
que Lewandowski não recebeu R$ 1 milhão.
Sei que o senhor tem uma relação difícil com a colega Eliana
Calmon. Releve. Em 1924, o juiz James McReynolds recusou-se a sentar ao meu
lado, e a Suprema Corte não fez sua tradicional fotografia oficial do início do
ano. Por quê? Porque eu era judeu, “pulga de cão”. Nunca falei dele, nem em
casa.
Acredito que o senhor está preocupado com a instituição.
Sendo o caso, devemos fazer de tudo para preservá-la. Quando Franklin Roosevelt
quis mudar a sistemática da composição da Corte, dei-lhe um golpe fatal. Ele
foi um grande presidente, maior que Jefferson, quase da estatura de Lincoln,
mas aliei-me aos Quatro Cavaleiros (do Apocalipse) que travavam suas reformas.
Prevalecemos.
Despeço-me, citando um voto meu, de 1924: “O conhecimento é
essencial para a compreensão, e a compreensão deve anteceder o julgamento”. Não
creio que se deva impedir o CNJ de conhecer, para compreender e, depois,
julgar.
Meus respeitos e feliz 2012.
Louis Brandeis
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