sábado, 20 de abril de 2013

O som ao redor, por Gabriela Antunes



Um aspirador de pó, uma britadeira, os cães latindo, crianças brincando no parquinho, o deslizar dos carrinhos levados pelas babás, buzinas, videogame, o barulho da televisão, vassoura, a bola quicando, os roncos das sonecas dos aposentados, a batedeira - as tardes da classe média parecem emitir sempre o mesmo som.
Na noite de terça-feira, era exibida em Buenos Aires, como parte do festival de cinema Bafici, uma das três sessões do filme pernambucano “O Som ao Redor”. O longa-metragem tem como pano de fundo um bairro da zona metropolitana de Recife e aborda as tensões sociais brasileiras, como o abismo econômico entre pobres e ricos, o velho coronelismo e, de maneira bastante sutil, as relações patrão-empregado.
Estas relações vêm sofrendo modificações, tanto na Argentina, como no Brasil. No Brasil, o conjunto de novas leis, que ganhou a alcunha de PAC das domésticas, causou reboliço nos lares brasileiros e polêmica na mídia.
A figura empregada doméstica como uma instituição, tal qual é no Brasil, talvez seja um pouco diferente na Argentina e quiçá não tão presente, mas existem similitudes e também grandes diferenças.
Típica presença nas casas das classes mais altas argentinas, a maioria vem de países limítrofes ou do norte argentino e costumava trabalhar sem carteira assinada, até agora. Como a Presidenta Dilma, a Presidenta Cristina também resolveu rever essas relações laborais. “El Régimen Especial de Contrato de Trabajo para el Personal de Casas Particulares” entrou em vigor no último dia 12 e promete formalizar essas relações.

Empregadas domésticas festejam a aprovação da lei no Congresso Nacional. Foto:Telám

“Na classe média e alta argentina ninguém sabe muito bem como chamá-las e, quando é difícil dar um nome, isso é um péssimo sinal. Costumamos dizer que é a moça que me ajuda, a empregada, serviçal e, em apenas algumas ocasiões, a senhora que trabalha na minha casa”, diz Luciana Mantero, do jornal PG12.
De acordo com os órgãos oficiais, são quase 800 mil trabalhadoras domésticas no país. Em Buenos Aires, 40% delas são oriundas do Peru e, até a promulgação da lei, apenas 16% do número total gozava da plenitude de seus direitos.
A nova legislação torna obrigatória a licença maternidade, 35 horas seguidas de descanso semanal e o pagamento de horas extras. Esses direitos já são garantidos para todos os demais trabalhadores argentinos.
A mudança vem para derrocar um decreto sexagenário, da época da ditadura, que considerava que os trabalhadores domésticos não deveriam gozar dos mesmos direitos que os trabalhadores comuns.
Para um país peronista, com grande tradição em direitos trabalhistas, estava realmente demorando incluí-las.

Gabriela Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e mantém o blog Conexão Buenos Aires. Escreve aqui todos os sábados.

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