quinta-feira, 10 de maio de 2012

Crime organizado



MERVAL PEREIRA10.5.2012 12h57m
O comentário do senador Pedro Taques, do PDT de Mato Grosso, de que o bicheiro Carlinhos Cachoeira já estava no terceiro estágio do crime organizado, buscando negócios legais, resume bem o estado de espírito dos parlamentares que participaram do depoimento teoricamente secreto do delegado da Polícia Federal Raul Alexandre Marques Souza na CPI. 
Ele mesmo oriundo do Ministério Público, assim como Demóstenes, o senador Taques tem experiência de acompanhar esse tipo de ação criminosa, e não estava fazendo um comentário leviano. 
As investigações revelaram com uma profusão de detalhes as ligações de Cachoeiracom praticamente todos os níveis de poder da República, sendo que tinha no bolso do colete pelo menos um senador – Demóstenes Torres, ex-DEM de Goiás, queo delegado classificou como o braço político da organização – dois deputados federais – Carlos Leréia, do PSDB e João Sandes Junior, do PP, ambos de Goiás. 
Além do Congresso, o bicheiro tinha influência importante com pelo menos dois governadores, o tucano Marconi Perillo de Goiás e o petista Agnelo Queiroz de Brasília. 
A atuação do mafioso não se limitava a Goiás, seu Estado natal, ou ao Centro-Oeste, como quis fazer crer num primeiro momento o relator petista,tentando circunscrever as investigações ao interesse de setores de seu partido. 
Seu império se espalhava por todo o país, e há ainda a se provar sua participação na empreiteira Delta, de quem parece ser um sócio oculto. 
É por esse caminho que um terceiro governador, o do Rio, Sérgio Cabral, do PMDB, pode vir a ser convocado para depor na CPI, mas até o momento não há indicaçãode que sua relação promíscua com o empreiteiro dono da Delta, FernandoCavendish, seja razão para tal convocação. 
O vice-presidente Michel Temer tem razão ao afirmar que jantar com empreiteiros não são crimes em si, mas podem indicar crimes praticados, já que se sabe, como nos ensinou Milton Friedman, que não existem jantares grátis, o que por si só já seria motivo para uma investigação, que nesse primeiro estágio caberia ao Ministério Público ou à Assembleia Legislativa do Rio. 
Há ainda a apurar informação não confirmada de que o bicheiro do Centro-Oeste estaria querendo entrar no mercado do Rio deJaneiro e teria se utilizado de canais especiais do empreiteiro Cavendish para realizar essa ampliação de seu negócio. 
Se,no decorrer das investigações, ficar comprovado que o verdadeiro dono da Delta era mesmo o bicheiro Cachoeira, como acredita o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, aí sim o governador do Rio teria que prestar contas à CPI. 
Pelo que se sabe das investigações, e com as muitas mil horas de conversas telefônicas gravadas com autorização judicial,fica patente que o crime organizado estava infiltrado no Poder Legislativo e em alguns Executivos estaduais, e tinha planos ambiciosos de fazer do senador Demóstenes Torres um membro do Supremo Tribunal Federal.
Em termos regionais, o mais próximo que andamos de um cenário de domínio do crime organizado de um Estado foi no Espírito Santo, onde nos anos 90 do século passado os três poderes estaduais foram todos cooptados, tendo sido preciso a intervenção forte de uma força tarefa policial e política para restabelecer a ordem. 
A declaração do delegado da Polícia Federal de que o Procurador-Geral daRepública, Roberto Gurgel, engavetou a investigação, deu nova força aos que querem usar a CPI como instrumento de vingança contra a Procuradoria e a imprensa, pelas mesmas razões: as denúncias sobre o mensalão. 
Com relação à imprensa, o delegado Raul Souza foi categórico ao afirmar que a Polícia Federal não encontrou nenhum indício de ilegalidade nos contatos do diretor da revista Veja em Brasília Policarpo Junior com o bicheiro CarlinhosCachoeira. 
“Apensas conversas entre jornalista e fonte”, foi a definição do delegado. Ora, se é verdade que existem mais de 200 ligações telefônicas entre o jornalista e o bicheiro, como gostam de alardear os blogs chapa-branca, muitos financiados pelo governo exatamente para fazer esse trabalho de solapar a grande imprensa, como não se consegue nenhum diálogo direto entre os dois, ou mesmo entre o jornalista e membros do grupo do bicheiro, que revelem a suposta troca defavores que evidenciaria o crime? 
Até o momento o que se tem são conversas entre os criminosos sobre o jornalista,que servem para alimentar ilações grotescas sobre conluio da direção da revista com o crime organizado. 
Da mesma maneira, não há nenhuma indicação nos dados da Polícia Federal de que Gurgel ou sua mulher, a subprocuradora Claudia Sampaio, tivessem alguma relação com o esquema criminoso, e é leviana a suspeita de que tenham agido com espírito de corpo. 
E a explicação oficial dos dois de que a Operação Vegas não tinha indícios suficientes para abrir um processo no Supremo contra o senador Demóstenes Torres ou outros parlamentares, mas que resolveram sobrestar o caso até que novas investigações em curso pudessem complementar as informações, pode serc onfirmada pelo próprio comentário do delegado na CPI: o caso não foi arquivado nem devolvido à Justiça Federal de Goiás para novas investigações, permanecendo três anos aberto até que, com a Operação Monte Carlo, pôde ter sequência com a abertura de inquérito contra o senador de Goiás no início deste ano. 
Caberá, portanto, ao Procurador-Geral da República agir rápido para desfazer a intriga de que não há explicação razoável para sua demora em abrir o inquérito contra Demóstenes Torres, e sua reação foi mais do que adequada. 
O Procurador Geral explicitou o que já se sabia, a ação contra ele é mais uma manobra dos que querem confundir o julgamento do mensalão para neutralizar sua atuação, colocando-o sob suspeita. 
Isso levaria a suspeita de envolvimento com o crime organizado às portas do SupremoTribunal Federal, o que seria desastroso para a democracia brasileira. Justamente por isso é preciso que a CPI seja prudente ao tratar do assunto, para não servir de pretexto para os que querem tumultuar o julgamento do mensalão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário