quinta-feira, 24 de abril de 2014

Cartas de Nova Iorque: Uma cidade desaparecendo, por Luisa Leme


Portas pequenas com o sinal dizendo aberto ou fechado dão lugar a pés direitos enormes com catracas e seguranças. Madeira não há mais, somente mármores gigantes. O “olá” de conhecidos vendedores, que ligam para avisar quando aquele produto chegou, transforma-se em “next” perto das caixas registradoras. Muitos turistas na porta. A Nova Iorque dos livros, filmes e das memórias está sumindo.
Recentemente, a cidade perdeu um tesouro, a livraria Rizzoli. Por trinta anos, a Rizzoli fiicava na rua 57, entre outros arranha-céus que ali chegaram e alguns prédios menores e históricos também com muita história para contar. Mas agora acabou: a livraria fechou no último dia 11 de abril e o prédio será demolido.
A nova empreitada no local terá com certeza mais de 300 metros, com grandes lojas embaixo e fileiras intermináveis de escritórios nos andares de cima. Prédios que conseguem tapar a luz do sol.
Nova Iorque sofre com o mercado imobiliário que assusta qualquer empreendedor e outras livrarias, lojas de disco, e pequenos negócios não aguentam mais o aluguel em Manhattan.
São muitas as lojas queridas dos nova-iorquinos que estão fechando nos últimos meses, e o último dia da Rizzoli teve direito até a passeata em frente à livraria. Uma das notícias especulando o possível fim de outra casa de livros independente de grandes corporações, a Shakespeare and Co., fala de um aluguel supostamente chegando a 50 mil dólares. Triste.


A Rizzoli tinha dois andares, tetos pintados, lindas escadas no centro. O prédio é de 1919 e não tinha o interior original, razão para a cidade não tornar o local patrimônio histórico. Rizzoli tinha uma variedade de estilos e editoras, e livros em espanhol, francês e ás vezes em português - o que é muito raro encontrar fora da internet nos Estados Unidos. Hoje, os donos ainda não sabem onde vão abrir o negócio de novo em Nova Iorque.
A rua 57, entre as Quinta e Sexta Avenidas, costuma ser um refresco para quem anda em Midtown, já que alguns prédios antigos, com lojas tradicionais nova-iorquinas como a Rizzoli, ainda lutam contra os arranha-céus invasores.
Ao sair do trabalho, entre a rua 68 e a Avenida Park, as vezes escolho ignorar o primeiro buraco de metrô da área e andar por ali. O caminho é plano, simples e constante até o Central Park e o Plaza Hotel, perto do lado Oeste de Midtown.
O passeio conta com lojas de pianos como a Steinway & Sons, o Carnegie Hall, alguns hotéis antigos…e agora as portas da Rizzoli fechadas. O caminho ficou com certeza menos original, “pasteurizado” com marcas e lojas conhecidas. Será que Nova Iorque vai ser forte para conseguir se reinventar?

Luisa Leme é jornalista e produtora de documentários. Passou pela TV Cultura e TV Globo em São Paulo, e pelas Nações Unidas em Nova York. Mora nos Estados Unidos há sete anos e fez mestrado em relações internacionais na Washington University in St. Louis. Escreve aqui sempre às quintas-feiras. Mantém o blog DoubleLNYC com imagens e impressões sobre Nova York. Twitter: @luisaleme

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