segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O MAL DO ADIAMENTO



Heron Guimarães
De todos os males que assombram as gestões públicas no Brasil, a procrastinação é, depois da corrupção, a que mais prejudica o cidadão e, por consequência, os próprios governos que não fazem nada para evitá-la ou, pelo menos, reduzi-la. Deixar para depois acaba com qualquer planejamento, desmotiva a melhor das equipes, torna uma administração tão ineficiente que chega a comprometer um trabalho inteiro e pode derrubar políticos que conseguiram fazer uma campanha eleitoral exemplar e manter um discurso coerente e bem-intencionado.
O mal de adiar atinge todos os que dependem do serviço público, como em uma epidemia. Como é uma praga que se hospeda em pessoas, ela também afeta setores privados, mas, pela facilidade de trocar as peças e de acompanhar resultados sem ter a necessidade de satisfazer compromissos políticos, às vezes, ela é contida.
No serviço público, é diferente. A procrastinação é tolerada e, em muitos casos, estimulada. Afinal, para muitos governantes ou líderes públicos, é melhor deixar o tempo resolver. Porém, o tempo, “senhor da vida”, pode trabalhar contra.
ZUMBIS DE CORREDORES
Assim, sem tomar decisões, vão-se embora rios de dinheiro, trabalhos inteiros e ideias são jogadas ao vento. As vítimas desse adiamento contumaz se transformam em zumbis de corredores, lotando, sem eficiência alguma, prefeituras, câmaras, ministérios, tribunais e tudo o que se pode chamar de repartição pública. Ver esses fantasmas nos cafezinhos, esparramados de frente para suas mesas de MDF, usando seus estiletes afiados para apontar lápis ou simplesmente passando o tempo com fofocas em redes sociais ou jogando paciência é angustiante.
A incompetência, apesar de ser a principal responsável por deixar tudo para depois, não é a única a contribuir com essa patologia. Também tem a acomodação, a tal zona de conforto que vem de apadrinhamentos, a ausência de bons gestores e, por fim, a força do hábito. Essa última casualidade é, pela dificuldade de ser erradicada, a mais nociva, pois é altamente contagiosa. Propaga-se no vácuo e transforma mentes ansiosas por resultados em uma espécie de consciência paquidérmica generalizada.
O irritante sossego da procrastinação parece uma doença incurável. Pessoas esforçadas e competentes, em outros ambientes de trabalho, anulam-se no setor público, contribuindo com o estado de letargia total que assola o Brasil dos tempos de internet de alta velocidade. Elas, até sem saber, contribuem com um Estado inativo, ineficiente e prejudicial ao desenvolvimento humano e econômico.
A solução para essa chaga se resume em uma só palavra: meritocracia. Mas fazer valer o mérito é algo ainda inalcançável pelos padrões brasileiros de administração pública. (transcrito de O Tempo)

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