domingo, 24 de novembro de 2013

Políticos têm tratamento especial na prisão


  • Réus do mensalão condenados ao regime semiaberto ‘estão mexendo com o sistema todo’, diz gestor penitenciário no DF

BRASÍLIA — Na última quinta-feira, José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, e Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, saíram da cela para se encontrar com parlamentares no prédio da administração do presídio, que fica fora da área onde estão os blocos e alas do Centro de Internamento e Reeducação (CIR). José Genoino, ex-presidente do PT, já tinha sido levado para o hospital. Apenas Romeu Queiroz, ex-deputado federal por Minas Gerais, e Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL (hoje PR), estavam na cela. Resignados, não demonstravam indignação com a pena de prisão nem com as condições de reclusão. Pelo contrário: os dois elogiaram o tratamento recebido na cadeia. Reclamaram apenas que a comida poderia ser “um pouco melhor”.
— Aqui na cela somos três advogados e temos ciência do que estamos passando — disse um deles quando abordado por uma autoridade.

Protesto de parentes de presos comuns
No mesmo dia, a mulher e uma sobrinha de Cleber Bonfim, um bombeiro hidráulico de 28 anos, chegavam à Defensoria Pública no Distrito Federal sem saber o paradeiro do jovem. Preso em casa, de madrugada, por uma equipe de policiais sem farda e sem carro caracterizado, Cleber começou um périplo por cadeias do DF. Passou pela carceragem de um distrito policial na periferia e por um centro de triagem numa área nobre, até finalmente ser levado para a Papuda. O réu está no Centro de Detenção Provisória (CDP). Na próxima terça-feira, o “bonde” passará e levará Cleber para as celas comuns do CIR ou para o bloco G da Penitenciária do Distrito Federal (PDF 2). Os recém-chegados no bloco G, diante da lotação de 20 pessoas numa cela onde só cabem oito, dormem na área da privada cavada no chão.
— Os mensaleiros foram avisados de que seriam presos. O Cleber vai ter cela especial também? — questiona a mulher do bombeiro hidráulico, que pede para não ser identificada por medo de perder o emprego.
Ela levou aos defensores públicos a carteira de trabalho do marido, assinada desde junho. Em um mês, se Cleber não perder o emprego e o salário de R$ 1,1 mil, a Justiça poderá permitir o trabalho externo.
O núcleo político do mensalão que começou a cumprir a pena e o bombeiro hidráulico estão no mesmo regime de prisão, o semiaberto. As penas dos mensaleiros, condenados por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, se aproximam de oito anos. Cleber foi preso em razão de uma condenação por portar arma de fogo. A pena é de dois anos e quatro meses. Por ser reincidente – a família diz que o processo anterior é por assalto à mão armada –, o juiz determinou o semiaberto como regime. A realidade mostra que autoridades – ou ex-autoridades políticas – carregam um tratamento especial para dentro dos presídios sem precedentes junto à massa carcerária.
O CIR é um presídio superlotado, com 1,5 mil detentos. O bloco G da PDF 2, outro destino para presos do semiaberto sem trabalho externo, tem 916 internos, mais do que o dobro da capacidade, em condições piores que as do regime fechado, com banho de sol dia sim, dia não. Na cela S-13, onde estão Dirceu, Delúbio e outros dois réus do mensalão, sobram vagas. Cinco beliches, com dez camas, são utilizados pelos quatro réus. O mais provável é que os próximos presos por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) e em cumprimento de semiaberto sejam enviados à S-13. O presídio tem outra cela semelhante, a S-14, que também poderá ser usada com essa finalidade.
Nenhum outro grupo de detentos está tão seguro quanto o do mensalão. A cela de 20m² está bem próxima do portão gradeado que dá acesso aos blocos e alas. Ao lado estão uma sala de servidores do presídio e a dos agentes penitenciários. Bem próxima está a ala de ensino. Apenas um corredor separa a cela da ala especial destinada a ex-policiais militares e a presos provisórios com curso superior. A administração do sistema penitenciário considera que a cela integra a ala especial, onde 23 quartos abrigam os detentos. Nesta ala, são liberados TVs, eletrodomésticos, uma cozinha e banheiro com pia e vaso sanitário.
— A cela deles está na entrada da ala especial e é reservada para pessoas tidas como qualificadas. Lá ficavam presos que trabalham na cantina ou os chamados “verdinhos”, que fazem reparos no gramado. A cela da ala especial é bem melhor — afirma o coordenador-geral da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) do DF, João Feitosa.
Mais tempo de banho de sol
A direção do presídio autorizou a instalação de uma TV na cela dos réus do mensalão, aparelho que já existe em outras alas. Eletrodomésticos e chuveiro elétrico estão em análise. O banheiro não tem vaso sanitário. As roupas comuns são colocadas sobre a cama, uma vez que sobram beliches na cela. O vestuário exigido é camiseta e bermuda branca e chinelo de dedo. Os presos têm direito ao maior tempo de banho de sol do CIR, entre 9 e 16 horas, e ficam sozinhos no pátio. O prédio da administração, fora dos blocos, passou a ser um local frequentado pelos réus para receberem visita, principalmente parlamentares.
Já as celas comuns do CIR estão superlotadas. Os tamanhos variam de seis a 14 m² e a lotação, de duas a 20 pessoas. O prédio é o mais antigo da Papuda e está cheio de infiltrações.
A situação do bloco G da PDF 2 é a pior dentre as unidades destinadas ao semiaberto. Para a Defensoria Pública no DF, o alojamento de quase mil detentos do semiaberto num regime fechado constitui-se um flagrante desrespeito à lei. Diante disso, em 2012, os defensores apresentaram 500 habeas corpus na Justiça para tentar retirar do bloco metade dos detentos. A tentativa foi em vão.
— É comum a queixa dos presos por estarem na PDF 2. Não há banho de sol todo dia e é pior do que estar no regime fechado — diz o coordenador do Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública no DF, Leonardo Moreira.
Segundo o coordenador-geral da Sesipe, a escolha do presídio para onde vão os detentos do semiaberto “depende do dia”. Sobre os réus do mensalão, João Feitosa diz que “eles estão mexendo com o sistema todo”:
— Até organizar tudo leva tempo. Os outros presos estão reagindo bem. Não há qualquer chance de um motim ou algo do tipo.
O bloco G mistura ainda presos que cometeram diferentes crimes; reincidentes e primários; condenados perigosos e sentenciados sem ameaça à segurança dos internos. A terceira unidade destinada ao semiaberto é o Centro de Progressão Penitenciária (CPP), fora da Papuda, para onde vão os detentos com trabalho externo. Se os réus do mensalão obtiverem autorização para trabalhar fora durante o dia, terão de ir ao CPP, uma vez que não há estrutura para revista dos presos na Papuda. No CPP, são comuns os acertos de contas — inclusive com execuções — do lado de fora e a circulação do crack entre os galpões.
O esquema especial de visitas a que os réus do mensalão tiveram direito, com uma romaria de parlamentares na Papuda, é uma exclusividade desses presos. Os comuns precisam indicar no processo de execução dez pessoas que podem visitá-los, dos quais quatro podem aparecer em cada visita. A entrada no complexo só ocorre uma vez por semana, na quarta ou na quinta-feira, e por isso há filas de parentes desde o dia anterior. Ônibus só circulam até a Papuda nesses dois dias. Muitas vezes, a Defensoria Pública precisa intervir para assegurar determinadas visitas nos presídios. São 80 pedidos por mês.

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