quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Cartas de Londres: Cenas do metrô de Londres, por Beatriz Portugal


Éramos os dois únicos passageiros no vagão. Ele sentava à minha frente e comia um sanduíche no vão entre as pernas, com os braços apoiados nos joelhos. A atenção ia da comida ao jornal aberto no banco ao lado. Ele parecia adivinhar que eu espiava o jornal dele e virava a página exatamente quando eu terminava de ler. Só faltou comentar as manchetes gritantes que falavam da derrota vexatória do primeiro ministro em votação parlamentar sobre ação militar do Reino Unido na Síria.
Mas não trocamos palavras, pois aqui a regra tácita é manter a distância. As pessoas se evitam ao máximo, enfurnadas em livros e jornais ou nas telas de seus celulares. De vez em quando olhares se cruzam por um milésimo de segundo, mas a vergonha sempre vence. O que sobra é testemunhar pedaços da vida alheia, como daquele homem que seja lá por que comia com tanta pressa antes de chegar ao seu destino.
Tudo isso faz parte do charme do metrô londrino mas mais do que uma atração, o metrô é parte essencial da capital britânica. Alem de ser um excelente meio de transporte, é um microcosmo de Londres.
Do pedinte ao milionário, estão todos ali, ombro a ombro sofrendo igualitariamente no calor com a falta de ar condicionado e sempre atentos à malas ou pacotes que possam estar abandonados, prontos para avisar o policial mais próximo.
A primeira linha foi inaugurada há 150 anos, o que faz do metrô londrino o mais antigo do mundo. São mais de três milhões de passageiros por dia passando por suas 270 estações. Os trens percorrem a distancia equivalente a 1.735 voltas ao redor do mundo (ou 90 viagens de ida e volta até a lua). Não à toa, parece ter vida própria.


Nele há de tudo um pouco: cenas engraçadas, cenas tristes, cenas chocantes, cenas emocionantes. É lá que os londrinos muitas vezes mostram o que têm de melhor e de pior.
Foram nas idas e vindas no metrô que descobri que todo londrino que se preza acha um absurdo ter de esperar mais de três minutos por um trem. E também conheci o fenômeno tipicamente inglês de se concentrar nas portas ao invés de se espalhar pelo vagão. Já vi pombos que, sempre nas mesmas estações, sobem e descem de vagões como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Outro dia vi um moço que, na pressa de entrar, pisou em falso. Caiu de cara no chão, ficando com uma perna esticada na plataforma e a outra no vão entre plataforma e vagão. Duas pessoas se levantaram para ajudá-lo. Ele, muito sem graça, levantou e bateu nas coxas para tirar a sujeira. Entre perguntas se ele estava bem, o moço respondeu sério o que numa frase resume a beleza do humor britânico - contido, criativo e ao mesmo tempo irreverente, sempre usado para facilitar as interações sociais. Fazendo referencia ao constante anúncio de “mind the gap” (algo como, atenção ao vão), ele: “I didn’t mind the gap”.

Beatriz Portugal é jornalista. Depois de viver em Brasília, São Paulo e Washington, fez um mestrado em literatura na Universidade de Londres e resolveu ficar.

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