sábado, 26 de janeiro de 2013

CRÔNICA Cartas de Buenos Aires: Encontros e Desencontros



Há pouco menos de um século, o escritor Raúl Scalabrini Ortiz tentava entender e destrinchar os pormenores do ”bicho” portenho no seu livro “O Homem que está sozinho e espera”.
“Toda referência de um homem a uma mulher por parte de um portenho é marrenta. Seus juízos são cheios de animosidade, provocações discordantes e com um sorriso cético roubando a flor do lábio”, Ortiz escreveu.
Um passeio pelas velhas ruas do bairro de Almagro, Centro ou Boedo, e outros bairros ainda não desfigurados pelo turismo, nos revela bares e cafés com a presença de maioria masculina.
São homens soturnos e solitários, acompanhados apenas pelo jornal e café, em uma cena que já faz parte da alma da cidade.
Uma metrópole construída à beira de um ataque sentimental, e sob a mirada inquietante de uma relação desfeita, nos dá o mapa de um amor levado às últimas consequências no livro “O Passado”, do escritor portenho Alan Pauls.
Nele, Buenos Aires comporta até uma célula terrorista operando sob a chancela de um clube de “Mulheres que amam demais”, não difícil de imaginar na capital que arde como arde.
Buenos Aires é uma cidade de encontros e desencontros, como ilustrou com maestria o filme “Medianeras”, de 2011, uma bela sugestão para entender as relações contemporâneas portenhas.
Outra perturbadora e poética visão sobre o amor e a cidade pode ser vista no clássico filme dos anos noventa “O lado escuro do coração”.
Nele, o protagonista se embrenha pelos bares e becos escuros da capital em busca de “uma mulher que saiba voar”.
No ano passado, os solteiros no país totalizaram 15 milhões, superando todos os demais grupos. Em Buenos Aires, segundo uma pesquisa do Governo da cidade, quase metade da população está “solita”.
Agora, soma-se, aos grupos de viúvos e divorciados, uma categoria à parte: os “abandonados”. Depois de encontrar seus objetos encaixotados na casa que compartilhava com a mulher e voltar a morar com os pais, o músico argentino de 35 anos Roberto Lázaro decidiu dividir sua experiência e criar “O Clube dos Homens Abandonados por Mulheres” (foto abaixo).

 
 Foto:/ arquivo pessoal /Facebook)

"Achei que nós (os abandonados) podíamos nos unir nesta dor", disse essa semana à jornalista Marcia Carmo, da BBC Brasil.
O clube para ”losers” assumidos já tem mais de mil fãs no facebook e se reúne, em média, uma vez a cada 15 dias. Lázaro se transformou em uma celebridade local, graças a entrevistas e ao hit que compôs sobre sua experiência no youtube.
Buenos Aires não apenas é uma cidade de encontros e desencontros, mas principalmente de encontros excepcionais, onde até os abandonados acham companhia para dividir suas dores de cotovelo.

Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha, antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald, mantém o blog Conexão Buenos Aires e não consegue imaginar seu ultimo dia na capital argentina. Estará aqui todos os sábados.

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