quinta-feira, 29 de novembro de 2012

POEMA DA NOITE A rainha careca - Hilda Hilst


 Pedro Lago - 
28.11.2012
 | 23h30m

De cabeleira farta 
de rígidas ombreiras 
de elegante beca 
Ula era casta 
Porque de passarinha 
Era careca. 
À noite alisava 
O monte lisinho 
Co'a lupa procurava 
Um tênue fiozinho 
Que há tempos avistara. 
Ó céus! Exclamava. 
Por que me fizeram 
Tão farta de cabelos 
Tão careca nos meios? 
E chorava. 
Um dia... 
Passou pelo reino 
Um biscate peludo 
Vendendo venenos. 
(Uma gota aguda 
Pode ser remédio 
Pra uma passarinha 
De rainha.) 
Convocado ao palácio 
Ula fez com que entrasse 
No seu quarto. 
Não tema, cavalheiro, 
Disse-lhe a rainha 
Quero apenas pentelhos 
Pra minha passarinha. 
Ó Senhora! O biscate exclamou. 
É pra agora! 
E arrancou do próprio peito 
Os pêlos 
E com saliva de ósculos 
Colou-os 
Concomitantemente penetrando-lhe os meios. 
UI! UI! UI! gemeu Ula 
De felicidade 
Cabeluda ou não 
Rainha ou prostituta 
Hei de ficar contigo 
A vida toda! 
Evidente que aos poucos 
Despregou-se o tufo todo. 
Mas isso o que importa? 
Feliz, mui contentinha 
A Rainha Ula já não chora.
Moral da estória: 
Se o problema é relevante, 
apela pro primeiro passante.

Hilda de Almeida Prado Hilst (Jaú, 21 de abril de 1930 - Campinas 4 de fevereiro de 2004) - Foi poeta, ficcionista e dramaturga. Considerada uma das mais completas personalidades literárias do Brasil. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e começou, ainda estudante, a escrever poesia, passando mais tarde para o teatro e a ficcção. Recebeu os mais importantes prêmios líterários do Brasil, entre eles o Jabuti, Cassiano Ricardo e o Prêmio Moinho Santista.

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