segunda-feira, 9 de julho de 2012

A qualidade da educação oferecida aos cidadãos



Por Marcelo Feitoza em 03/07/2012 na edição 701
Todo meio de comunicação manipula. O que os diferencia ou iguala são as ideias que defendem segundo o nosso ponto de vista.
Subjetivamente, de acordo com determinado conjunto de valores, é possível dividir a manipulação em positiva ou negativa. Resumidamente: positiva, ao transmitir informação correta, ao prestar um serviço à sociedade; negativa, quando vende como verdadeira uma informação falsa e presta um desserviço ao público. Mas manipulação existe, seja na seleção dos assuntos que farão parte da cobertura, seja no enfoque dado a cada tema e isso se dá até mesmo na imprensa independente, considerando que a seleção de conteúdo é feita em todo e qualquer veículo de comunicação.
Do ponto de vista do público, quem teve uma sólida formação normalmente possui informação que permite decidir quais influências estão de acordo com as ideias e o modo de vida que acredita. Dessa forma, essa pessoa escolhe o pintor de sua preferência, o jornal a ser lido todos os dias, a revista semanal que o agrada e assim por diante. Por outro lado, quem não teve essa formação, tende a ser o alvo preferido de determinados grupos que desejam ver maximizadas, para o bem ou para o mal, suas idiossincrasias, sem maiores questionamentos. Parte-se da premissa, e ela é verdadeira, de que pessoas com um nível de informação menos robusto seriam mais facilmente conduzidas.
O fator TV Globo
Logo, é possível deduzir que uma sociedade se desenvolve, inclusive e não somente, pela qualidade da educação que é oferecida aos cidadãos. Assim, o sucesso da manipulação negativa exercida pelos meios de comunicação seria uma das consequências, e não a causa, de um sistema educacional ineficiente e de uma sociedade mais ou menos crítica.
O assunto ganha contornos interessantes quando a análise é feita em cima da influência da televisão aberta, enquanto produto de massa, com mais ênfase no poder que seria exercido pelas telenovelas. O público faz escolhas ruins porque é manipulado pela TV, ou é manipulado pela TV por não ter tido acesso a uma boa educação?
No curso de Jornalismo, não foram poucas as vezes em que debates sobre a influência da TV Globo na população brasileira foram encerrados com a conclusão de que “a Globo fez essa novela e esse corte na edição dessa maneira porque interessa a ela um povo mais alienado”. Que a emissora defende os seus interesses, não resta dúvida. Que sua linha editorial, sobretudo no passado, fez más escolhas para a coletividade, também não se discute. Mas, seria ela a responsável por toda escolha equivocada de cada brasileiro?
Os princípios constitucionais
Argumenta-se, com efeito, que o serviço de radiodifusão no Brasil é público, prestado ou pelo Poder Público, através da Empresa Brasil de Comunicação, ou pela iniciativa privada, através das concessões e permissões, em ambos os casos com um objetivo social. Isso não se discute. No entanto, sabe-se que esse norte de atuação frequentemente se choca com o modelo de negócios da TV aberta no país, calcado na venda de espaço publicitário. Até mesmo por isso, debate-se a necessidade de regulação, nos moldes como é feita em outros setores estratégicos, para que distorções e desvios de finalidade sejam corrigidos. Entretanto, esse não é o foco neste artigo. A incógnita é outra. É obrigação de um canal de televisão educar uma sociedade?
A Constituição Federal de 1988, no capítulo dedicado aos Direitos Sociais, e no capítulo V, art. 221, que trata da Comunicação Social, deixa claro, respectivamente, que a educação é um direito do cidadão e um dever do Estado e que a produção e a programação das emissoras de radiodifusão de sons e imagens terão um norte de atuação voltado para a sociedade.
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Que sejam cobrados os responsáveis
Extrai-se do texto constitucional que o serviço de radiodifusão pública, por princípio, pode auxiliar no desenvolvimento social, na promoção de educação e da cultura no país, mas não é ele o responsável pelo sucesso pleno dessas áreas. Educar não é uma competência da televisão. É um norte de atuação.
O que há de concreto hoje e é objeto constante de estudos, é que o sistema educacional brasileiro precisa ser aperfeiçoado e modernizado, tanto na esfera pública quanto na privada. Recentemente, o economista especializado em educação Gustavo Ioschpe, escreveu um artigo em Veja levantando bons tópicos para reflexão, evidenciando que é preciso trabalhar para resolver os problemas na estrutura do sistema, para que se consiga oferecer, e para que a própria sociedade possa exigir, uma educação de melhor qualidade.
Seja como for, esses problemas estruturais não foram criados pela TV Globo, no caso do exemplo, ou pelas demais emissoras. Explorar as deficiências do sistema, com a abrangência e a audiência alcançada pela rede de televisão – e é nesse ponto que entra aquilo que denominei manipulação negativa – é bem diferente de criá-las. Culpar um veículo de comunicação pelo nível sociocultural de uma sociedade é pegar o caminho mais fácil em busca de um grande objetivo. É preciso educar para melhor formar os cidadãos.
Quanto ao desvio de finalidade de uma concessão pública, que é um tema delicado que está sendo conduzido com o cuidado necessário pelo ministro Paulo Bernardo, da pasta da Comunicação, a legislação está defasada a há artigos na CF que nunca foram sequer regulamentados. Neste caso, que sejam cobrados os atores políticos responsáveis por esse processo.
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[Marcelo Feitoza é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]

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