sábado, 26 de maio de 2012

CPMI: Cachoeira, a “musa” e o advogado, por Vitor Hugo Soares



Há vantagens em acompanhar à distância e pela TV os lances principais desta nova babel nacional que se instalou na política, na imprensa e nos costumes do Brasil, batizada pela mídia de “CPMI do Cachoeira”.
Uma delas é poder observar o quadro geral com maior riqueza de detalhes tecnológicos na transmissão, além do direito a muitos “replays” de imagens exemplares, no melhor e pior sentidos da expressão.
A começar pela rápida e preocupante transmutação das coisas no cenário de Brasília, como se de repente fosse operado, inversamente por oráculos das terras estranhas do Planalto Central, o milagre bíblico da transformação da água em vinho.
Esta semana, o que começou como grave escândalo, a partir da revelação parcial para o público do conteúdo dos “grampos” telefônicos, produzidos pela Polícia Federal ao investigar transações da contravenção do jogo, em Goiás, e suas redes marginais espalhadas pelo País - a começar pelas conversas telefônicas do senador Demóstenes Torres (ex-DEM) com Cachoeira - quase virou pândega, durante o “primeiro depoimento” daquele que é apontado como “o chefão do caso”.
Outra vantagem é poder observar por diferentes ângulos, apenas mexendo nos canais da TV, o incrível jogo de cena dos diversos personagens da história. Ou aqueles que, deliberada ou inocentemente, se movimentam dentro ou na periferia da comissão investigativa no Congresso brasileiro.
De três deles o autor destas linhas não desgrudou os olhos, durante o espetáculo transmitido da capital do poder: do próprio depoente, Cachoeira; da sua mulher, Andressa Mendonça e de seu advogado, ex-ministro da República, Márcio Thomaz Bastos, que comanda um dos escritórios de advocacia mais requisitados do país.
Ao acompanhá-los, o que se vê é uma mistura impressionante de lances de circo mambembe e jogo de profissionais do pôquer.
Exibidos em redes nacionais “de Brasília para o mundo”, como dizia a Rádio Jornal do Commércio de Recife, que eu escutava quando garoto em Santo Antonio da Glória, beirada baiana do Rio São Francisco, antes do lugar da infância ser tragado pelas águas de uma das represas de barragem construída para fornecer energia elétrica ao Nordeste.
Pouco antes da abertura das cortinas, o desfile da bela mulher e cúmplice (os fatos dirão se a palavra pode ser empregada neste caso em seu melhor ou pior sentido ) do contraventor Cachoeira, a caminho do palco principal. Apesar do alvoroço geral à sua volta, Andressa Mendonça parece tranqüila e consciente do papel bem ensaiado que ela representa.
As lentes nervosas da Globo News captam uma cena emblemática, repetida à exaustão. É o instante no qual a chamada “musa” do mais novo escândalo brasileiro é focalizada antes de descer as escadas para ter acesso ao auditório onde o marido irá “depor” dali a instantes.
Deslumbrante ao exibir seu rosto quase angelical em cima de corpo exuberante - ornamentados por valiosíssimos óculos e vestido de grife -, a moça move-se como uma estrela que dá sinais evidentes de estar à procura de alguma coisa que julga essencial naquele momento.
De repente, Andressa percebe uma câmera da emissora bem à sua frente, e suspira aliviada. Abre um rápido, mas significativo sorriso. Até ensaia um aceno discreto para a câmera, antes de ser quase empurrada escada abaixo para o auditório. “Missão cumprida por hoje”, parece suspirar a moça antes de sumir no corredor.
No auditório, todas as luzes, câmeras e olhares são para Cachoeira e seu defensor ao lado. O contraventor, também vestido a caráter e bem posto para a ocasião, é a arrogância e o desdém em pessoa. Apesar dos dias de cadeia e da tensão que tem curtido a se revelarem nos cabelos embranquecidos e no rosto precocemente envelhecido (ou isso seria parte também da encenação?).
De Cachoeira nenhum aceno, nenhuma saudação, mesmo que formal ou de simples cortesia. Nem para os membros da CPI e, muito menos, para demais presentes ao seu primeiro “depoimento”. Só atos, gestos e palavras de pouco caso e desprezo pelos parlamentares, servidores do Congresso, profissionais em serviço e público em geral.
"Estou respondendo a um inquérito na Justiça e antes de eu depor no juiz não posso falar. Depois disso vamos ver. Esse foi o pedido de sempre para que reavaliasse a nossa vinda aqui. Quem forçou [a realização do depoimento] foram vocês (em seguida corrige quase em sussurro para “os senhores”. E depois o silêncio.
Ao lado de Cachoeira, com o ar de esfinge de outras ocasiões (no poder, na política e no exercício profissional), Thomaz Bastos não esboça nenhum gesto ou palavra de reprovação diante do comportamento desrespeitoso do cliente.
O ar do acatado criminalista é só de aprovação e aparente contentamento com o que vê e, principalmente com o que escuta de elogios dirigidos a ele pelos parlamentares.
Alguns desancam Cachoeira, chamando o "depoente", no mínimo, de “bandido e cara de pau”.
O resto a conferir, com os fatos e com o tempo. Este, o senhor da razão e da verdade. Ou não?

Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br

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