sábado, 28 de abril de 2012

O Congresso acabou, por Ruy Fabiano



O Congresso Nacional, aos poucos, vai deixando de existir como efetivo Poder da República, engolido pelos outros dois, Executivo e Judiciário.
O primeiro golpe foi dado ainda na Constituinte, 24 anos atrás, com a adoção do instituto das medidas provisórias, que transfere ao Executivo a prerrogativa soberana de legislar.
O Congresso, desde então, age como cartório do Planalto, chancelando decisões que não são suas – e que entram em vigor antes que dela tome conhecimento.
A medida provisória foi aprovada na suposição de que o país adotaria o parlamentarismo. Na reta final da Constituinte, o governo Sarney investiu na manutenção do presidencialismo, preservando as MPs, concebidas para os regimes de Gabinete, em que o Legislativo é também Executivo.
Argumenta-se que, ao tempo do regime militar, com os decretos leis, não era diferente. Em termos. Além de não terem tido a abrangência das MPs, os decretos leis cumpriam seu papel de expedientes ditatoriais, circunstância em que o Legislativo tinha mesmo papel meramente figurativo.
Na democracia, porém, isso é inadmissível, na medida em que é, por excelência, o regime da soberania dos três Poderes.
E aí está o paradoxo: o Congresso, hoje, consegue ter menos poderes que ao tempo da ditadura, quando era fustigado apenas pelo Executivo e tinha no Judiciário instância de socorro.
Hoje, o Judiciário disputa com o Executivo a usurpação de prerrogativas do Legislativo. O ativismo de toga não apenas transferiu para si a missão de legislar, como atribui tal circunstância ao próprio Congresso, acusando-o de negligente.
Pode-se acusar – e acusa-se – o Congresso de muita coisa, com justa razão. Mas confunde-se resistência parlamentar a determinados temas com negligência ou inoperância, quando, muito pelo contrário, é ato político deliberado.
Temas como casamento gay (na verdade, união civil), aborto de bebês anencéfalos ou cotas raciais, para ficar apenas nos mais recentes e polêmicos – e que dependiam de mudanças na lei -, não são aprovados pela maciça maioria da população, como o demonstram sucessivas pesquisas de opinião pública.
O Congresso é instituição que depende do voto popular e, por isso mesmo, jamais se coloca contra a opinião pública. Pode-se argumentar que o nível moral do Congresso não é lá essas coisas. Mesmo assim, pode ser recomposto, pelo voto, a cada quatro anos, sem esquecer o fato de que, com frequência, corta na própria carne, cassando seus próprios membros.
É, apesar de todos os pesares, um poder transparente, devassado diariamente pela mídia. Agora mesmo, a CPI do Cachoeira colocará no banco dos réus - como o fizeram, entre outras, a CPI do PC Farias, a dos Anões do Orçamento e as do Mensalão -, alguns de seus integrantes, sendo previsíveis novas cassações, com a oportuna liquidação de carreiras aviltadas.
O Judiciário não foi eleito por ninguém. Três quartos de sua atual composição decorreram da vontade solitária do então presidente Lula, que incluiu entre estes seu próprio advogado (e do PT), Antonio Dias Toffoli, e um amigo pessoal, Ricardo Lewandowski.
O atual presidente, Carlos Ayres Brito, é fundador do PT em Sergipe, e hospedava Lula quando este ia ao estado.
Há quem ache tudo isso irrelevante e argumente que o mesmo se deu com os presidentes anteriores. Não havia, porém, um dado que ressalta das recentes decisões: o engajamento com uma agenda partidária – no caso, a do PT.
Basta conferir a convergência entre as já mencionadas decisões do STF e o discurso e as propostas do partido hegemônico.
Além de decidir contra a letra da lei – e a própria Constituição (no caso da descriminação do aborto e da união civil homossexual) -, o STF agiu em consonância com a militância de grupos sociais, que sabiam que suas teses não teriam vez no Congresso, em decorrência da forte rejeição popular.
Daí o termo ativismo judiciário. O STF passou a ser instância para driblar o Congresso, ação facilitada pelo monumental desgaste moral a que a instituição parlamentar se presta.
No entanto, uma coisa nada tem a ver com a outra. A judicialização do processo político estabelece um padrão autoritário em plena democracia, tornando-a não mais que uma fachada.
Quando a Constituição é um detalhe, tem-se, na prática, o triunfo do “direito achado na rua”, que relativiza as leis a partir de argumentos ideológicos, que ignoram o processo legislativo e se nutrem de truques e subjetivismos.
Em reação a isso, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, por unanimidade, na quarta-feira, 25, proposta de emenda constitucional, de autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), que permite ao Congresso sustar "atos normativos dos outros Poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa".
É, sem dúvida, uma retaliação, que pode ter efeitos colaterais igualmente danosos à democracia, já que ameaça resoluções de tribunais, atos de conselhos, e decisões do Supremo com repercussão geral e até súmulas vinculantes.
A tanto chegou a democracia brasileira, oscilando entre a cruz e a espada. Haja insegurança jurídica. 

Ruy Fabiano é jornalista

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