sexta-feira, 27 de abril de 2012

Diplomatas e seus deslizes


25/04/12 - 18:22
POR SAMY ADGHIRNI
Ao saber que eu era brasileiro, o vendedor de produtos de cozinha num bazar de Teerã perguntou: “como é essa história do diplomata iraniano no Brasil que fez coisa errada com crianças?”.
A partir dali não restou dúvida: o caso envolvendo um alto funcionário da Embaixada do Irã acusado de bolinar meninas com idade entre 9 e 15 anos numa piscina de Brasília já está na boca do povo em Teerã.
A mídia estatal manteve silêncio, mas o incidente esteve na internet e nos canais de TV por satélite emitidos por iranianos na Europa e em Dubai.
Contei ao vendedor o que eu sabia, e ele emendou: “aquilo foi muito, muito errado. Peço desculpas em nome do meu país”.
Em várias outras ocasiões nos últimos dias fui interpelado sobre o ocorrido. Hoje ouvi um iraniano tomar partido em favor do acusado, dizendo que o diplomata talvez estivesse simplesmente ensinando crianças a nadar.
O assunto também caiu no burburinho das rodas diplomáticas em Teerã. E todo o mundinho das embaixadas se lembra de como o regime reagiu alguns anos atrás, quando um diplomata suíço foi flagrado em pleno amasso com uma iraniana numa barraca. O funcionário foi declarado persona non grata e teve que sair do país por manter relações íntimas num lugar público com uma mulher com quem não era casado.
O fato é que diplomatas sempre aprontaram, independentemente de sua origem, status ou religião. Em meados dos anos 90, o número dois da Embaixada da França em Brasília foi denunciado por fazer sexo com meninos de rua, a quem ele supostamente fornecia droga, segundo alguns relatos. Teve que voltar para Paris. Em 2007, Israel chamou de volta seu embaixador em San Salvador depois que o sujeito foi encontrado fora da embaixada bêbado, com as mãos amarradas e usando apenas roupas de sadomasoquismo.
Mais ou menos graves, escorregões de diplomatas geralmente não são punidos devido à imunidade assegurada pela Convenção de Viena (1961). O documento que norteia as regras da vida diplomática afirma que funcionários de Estados ou organismos estrangeiros em missão no exterior não podem ser julgados nem condenados. O texto ressalta que os diplomatas devem respeitar as leis do país que os recebe, mas prevalece a certeza de não ter problemas com a Justiça.
O problema maior é quando deslizes individuais de comportamento se intrometem nas relações entre Estados. O governo brasileiro ficou furioso com a reação inicial das autoridades iranianas. A embaixada em Brasília disse que o incidente era fruto de um mal entendido acerca de “diferenças culturais”. Ninguém entendeu, já que no Irã homens e mulheres não podem sequer ficar juntos na piscina. A trapalhada reforça uma tese amplamente difundida: o Irã precisa com urgência de uma boa assessoria de relações públicas.
O Brasil deixou claro o que espera do Irã no caso presente: que seja formalizada a retirada do diplomata. Ele está em Teerã desde que a denúncia foi destacada na imprensa, mas continua oficialmente credenciado junto ao Itamaraty. Se o Irã não tornar definitiva a sua saída, o Brasil poderá torná-lo persona non grata, o que causaria um embaraço generalizado nos contatos entre funcionários dos dois países.
A relação Brasília-Teerã já andava esfriando desde o início do governo Dilma, que suspendeu os esforços do Brasil na questão nuclear iraniana e parece menos tolerante que o antecessor Lula com a má reputação do Irã em matéria de direitos humanos. Mas Mahmoud Ahmadinejad quer participar da cúpula Rio + 20 e há de se esperar que seu governo se esforçará para aparar as arestas com o anfitrião.

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