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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

CRÔNICA Cartas de Paris: A relação dos franceses com os carros



Quando decidi morar na França uma questão me perturbou bastante: o carro, ou melhor, a falta dele. Engarrafamentos, dificuldade para estacionar, preços de taxas e seguros... A decisão de viver sem carro se impunha ao mesmo tempo que a resolução de viver em Paris. Meio a contragosto, aceitei, afinal, não se pode ter tudo.
Atualmente, seis anos após abrir mão do carro, com algumas recaídas e passagens pela Hertz, posso dizer que deste mal estou curada. Vivo perfeitamente bem sem e pensaria duas vezes antes de entrar em uma concessionária.
A relação dos parisienses com o carro é bem diferente da dos comuns mortais, o que ajuda muito no processo de desintoxicação. Enquanto em outros lugares não ter carro é pior do que sofrer de uma doença contagiosa, em Paris, tirar carteira de habilitação antes dos 25 anos de idade é uma vergonha, coisa de caipira (“plouc”).
Existe uma espécie de preconceito invertido contra o carro, quase uma reivindicação. Os parisienses, querem deixar bem claro que não precisam de carro porque moram perto de tudo, a diferença dos pobres provincianos que têm que se deslocar para se aproximar do centro do mundo.
Parisiense que é parisiense conhece de cor e salteado as linhas de ônibus - metrô é para os recém-chegados! – e tem um “abonnement” (inscrição) da “Vélib”, as bicicletas de livre serviço.
É verdade que o transporte público funciona muito bem dentro de Paris. Mas fora das grandes cidades francesas, as pessoas também precisam de carro para se locomover. Por isso não é possível generalizar o modo de vida de Paris para toda França e dizer que os franceses não têm carro como pensam muitos.
A grande diferença é que o carro por aqui é visto como meio de transporte e não como uma maneira de demonstrar poder aquisitivo. Por isso, quando os franceses não precisam, eles simplesmente abrem mão do carro ou compram veículos simples, que tiram da garagem em caso de extrema necessidade. E obviamente, levar os filhos à escola no mesmo bairro e comprar pão não entram neste caso. Além disso, normalmente as famílias têm somente um automóvel.


Vendo como os franceses se relacionam com o carro, cheguei à conclusão que a opção pelo meio de transporte é muito mais cultural que social e econômica. Quando ando pelas ruas, tanto da França quanto do Brasil, e descubro os prazeres de uma vida sem carro, agradeço aos franceses por terem me ajudado a abandonar este vício.

Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as quintas-feiras.

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